terça-feira, 13 de abril de 2010

Dignidade para os portadores de necessidades especiais

Por Nádia Mello

“E, passando Jesus, viu um homem cego de nascença. E os seus discípulos lhe perguntaram, dizendo: Rabi, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego? Jesus respondeu: Nem ele pecou, nem seus pais, mas foi assim para que se manifestem nele as obras de Deus” ( Jo 9.1-3) Há muito Jesus já tirava o peso da deficiência e ensinava que era possível ver a glória de Deus mesmo em condições mais limitadas. Viver dignamente apesar de nossas imperfeições é expressar o grande amor de Deus. Embora tenha apontado para uma vida de qualidade apesar das circunstâncias, para que soubessem que o Senhor tem poder, o Pai concedeu a cura àquele homem cego.
Crescemos aprendendo a lidar com nossas limitações e somos incentivados pela família e a sociedade a superá-las. No entanto, nem sempre é assim com os que nascem ou se tornam portadores de algum tipo de necessidade especial. A sociedade é receptiva a todos os indivíduos, mesmo sabendo que eles possuem suas limitações pessoais. O problema surge quando esses limites humanos estão expostos, tornando-se evidente na aparência física de alguém, por exemplo.
Há muitos anos o portador de necessidades especiais era geralmente escondido da sociedade, muitas vezes até pela própria família. Mais tarde, a sociedade começa a dizer sim para ele, aceitando-o desde que conseguisse se ajustar aos padrões da normalidade social. Ou seja, o surdo precisava falar e ser muito bem oralizado para aprender, para conviver com os demais; do cadeirante, com a modernidade e os recursos fisioterapêuticos, era esperado que pudesse aos poucos caminhar, ainda que depois de longos anos conseguisse apenas dar um passo. Atualmente há uma inversão desse pensamento e está cada vez mais claro que é a sociedade que tem de estar preparada e se ajustar para atendê-los, adequando-se às suas diferenças, oferecendo-lhe melhor qualidade de vida e dando condições de ser plenamente integrado e feliz.
Muitas conquistas têm sido possíveis através dos esforços constantes das entidades representativas e ONGs ligadas às mais diferentes áreas de deficiência. No entanto, ainda é necessária muita luta para uma sociedade justa e mais consciente da importância da participação das pessoas com necessidades especiais.
Os resultados de censo recente no Brasil mostram que, aproximadamente, 25 milhões de pessoas, ou 14,5% da população total, apresentaram algum tipo de incapacidade ou deficiência. São pessoas com ao menos alguma dificuldade de enxergar, ouvir, locomover-se ou alguma deficiência física ou mental. Entre 16,6 milhões de pessoas com algum grau de deficiência visual, quase 150 mil se declararam cegos. Já entre os 5,7 milhões de brasileiros com algum grau de deficiência auditiva, um pouco menos de 170 mil se declararam surdos. “Quando se trata da inserção de pessoas portadoras de necessidades especiais no mercado de trabalho, verifica-se uma proporção de pessoas ocupadas menor neste grupo que no das pessoas sem nenhuma das deficiências investigadas. Dos 65,6 milhões de pessoas de 10 anos ou mais de idade que compõem a população ocupada no país, 9 milhões são portadoras de alguma das deficiências pesquisadas (...) Em relação à instrução, as diferenças são marcantes: 32,9% da população sem instrução ou com menos de três anos de estudo é portadora de necessidades especiais. As proporções caem quando aumenta o nível de instrução, chegando a 10% de portadores de deficiência entre as pessoas com mais de 11 anos de estudo”.
É grave e lamentável observar que os portadores de necessidades especiais em nosso país ainda se encontram tão à margem da sociedade. Na área da surdez, os avanços obtidos com a oficialização da Língua Brasileira de Sinais (Libras) em 2002 e, no nos últimos anos, após a sua regulamentação, encheram os surdos brasileiros de esperança. No entanto, a implementação dessa conquista nas escolas, a partir de um sistema de inclusão deixou bastante a desejar. Mas o processo é lento. Embora o reconhecimento da Língua pelo Ministério de Educação e pelo Governo na época tenha significado avanço importante para a qualidade de vida da pessoa surda, ainda há muito caminho a percorrer até que a sociedade em todos os níveis possa conceber uma nova visão a respeito da importância da Língua de Sinais para a plena integração dos surdos.
Mas o fim das barreiras, através do subsídio de políticas e ações dos setores público e privado e da sociedade civil voltadas para esse segmento, aos poucos começa a ser uma realidade. Apesar dos estigmas, que fizeram da história dos portadores de deficiências uma história de preconceitos, omissão e opressão, e das estatísticas, que ainda refletem esse passado, parece que hoje começamos a nos voltar para a sua verdadeira integração nas áreas de saúde, educação, acessibilidade e trabalho. Muitas ações complementares para o desenvolvimento do grupo têm sido pensadas de forma mais efetiva e com respeito às suas diferenças. Isso graças à força das associações, federações e outras instituições representativas e ONGs, que levam adiante a luta pelo direito à vida.
No campo educacional, todo esse processo de inclusão defendido pelo MEC e tão debatido hoje não deixa de ser um sinal dessa nova visão, que envolve maior aceitação e valorização da pessoa portadora de deficiência. Mas se não for bem acompanhado por aqueles que vivem a própria problemática e corrigido em seus diversos encaminhamentos, o processo tende a ser um novo fracasso. Para que esse grupo seja verdadeiramente incluído no ensino, é necessário que tenha suas necessidades especiais supridas. Caso contrário, segundo a Declaração de Salamanca, que foi um marco nas discussões sobre o processo de inclusão em todo o mundo, o melhor para o seu desenvolvimento é que seja mantido em classe especial. O que pode ser avanço, num piscar de olhos, pode significar também retrocesso. É preciso vigiar e participar.
Todos nós que possuímos compromisso com a Justiça e o Reino de Deus devemos nos preocupar também com os direitos dos indivíduos com necessidades especiais e caminhar com eles rumo à igualdade de condições e oportunidades. Mas onde estamos nessa jornada?

A Bíblia e a deficiência
O Novo Testamento é marcado por várias passagens envolvendo pessoas com necessidades especiais (Mt.9.1; Mt 9.27; Mt 12.9; Lc 5.17; Jo 9.1). Embora Jesus efetivamente tenha curado em cada uma delas, nem sempre essa foi a mensagem central dos textos. Apesar das curas, as passagens bíblicas mostraram que a importância do perdão de Deus, da vida com dignidade, da fé, do bem ao próximo estava acima da condição da deficiência e das circunstâncias em que se encontravam. Mesmo com toda a herança do Antigo Testamento, que embutia nessas pessoas a ideia do pecado e da possessão, Jesus, ao direcionar seu olhar para elas, concedia-lhes igualdade antes mesmo de curá-las. É notório o cuidado e a preocupação de Jesus com os que sofriam por causa da deficiência.
Poucas são as igrejas cristãs que possuem um envolvimento sério com essa questão. Sabemos que, em âmbito local, algumas metodistas têm construído rampas e colocado elevadores, cumprindo a Lei de acessibilidade e facilitando a participação de membros que possuem deficiência física e idosos. Mas desconheço na Igreja Metodista um ministério que tenha a função de olhar para a pessoa com deficiência, evangelizando, expressando o seu amor e somando forças na sua luta pelas mais diversas causas. Quantos são os membros portadores de necessidades especiais de nossas igrejas? Temos lideranças, pastores e pastoras com deficiência? Creio que, como Igreja a serviço do povo, é necessário estarmos engajados também nesse movimento, colaborando ao lado de outros organismos com ações concretas para a integração desse grupo.

A vida nos pequenos olhares
Penso que cabe ainda aqui uma rápida ilustração. Um menino que devia ter em torno de 7 anos de idade e viajava ao meu lado no metrô não tinha os dois braços. Apesar disso, não expressava nenhum sinal de tristeza. Não ter os dois braços parecia não incomodá-lo e ser quase nada diante da sua espontaneidade. Bem perto da mãe, que carregava o seu irmão ao colo, era ele que prestava atenção nas estações, controlando o tempo de viagem e o momento de descer com a família.
Em determinado momento, entrou um homem idoso e o menino mais do que depressa se levantou e ofereceu o seu lugar. Bastante constrangido ao perceber o menino sem os braços, o senhor tentou recusar, dizendo que não era preciso. Mas a criança fez questão e ficou de pé dando um jeitinho de se apoiar em uma das barras do metro. A mãe sorriu num sinal de aprovação e apoio ao filho.
Fiquei surpresa de ver como aquela criança era tão bem educada, segura e feliz sem os braços. Ele era totalmente integrado, ciente de seus deveres e de que sua participação fazia diferença naquele lugar. Ele ali foi destacado pelas suas capacidade e atitudes, e não pela deficiência aparente.
Depois que desceram, os que observaram a situação comentavam o desprendimento do menor. E o senhor encerrou o assunto, com a seguinte frase: “ O que faz a diferença nesta criança é o amor da mãe, ele é amado”. Não houve quem discordasse.

Mais que adaptados?

Por Nádia Mello

A adequação da humanidade a situações humilhantes e às vezes desprezíveis por medo e opressão vem acompanhando a sua história há séculos. Quantas vezes povos inteiros foram dominados e escravizados por décadas pelos que detinham o poder? Nem sempre foi a força da arma a que mais intimidou. O estado de opressão veio muitas vezes também pela força da palavra. Discursos contundentes e convincentes foram utilizados para nos coagir, nos condicionar muitas vezes. Mas quero falar a respeito de situações que passam despercebidas no nosso dia a dia corrido, e que vão sendo impostas nos tempos atuais, com sacrifícios, sem que tenhamos tempo ou disposição para questionar ou reagir

Um exemplo claro disso é a forma como o trabalhador vai e vem da labuta. Cansado e esgotado de uma carga horária que muitas vezes ultrapassa as oito horas diárias, ele é transportado como bicho. Foi assim que me senti numa viagem de metrô em horário do “rush”. O valor pago é significativo para o bolso do empregado e as condições são as piores possíveis. Nossos direitos acabam ficando comprometidos sem que haja reações de indignação capazes de abalar qualquer sistema que nos levem a perdas. E o pior é perceber a apatia e a aceitação com relação às condições impostas pela única empresa metroviária, que absurdamente numa cidade como o Rio de Janeiro oferece apenas duas linhas de acesso.

Desde uma situação aparentemente banal até a instalação de um quadro alarmante de violência que praticamente nos tira o direito de ir e vir, percebo a nossa população mais do que ajustada. O que me assusta é a ideia de falsa normalidade que também acaba sendo instalada. Tudo acaba fazendo parte de um cotidiano medíocre que nos leva à terrível impressão de que tudo está na mais perfeita ordem. É preocupante perceber que somos um povo tão vulnerável a riscos e ao mesmo tempo tão tranqüilos, tão facilmente condicionados e deseducados a reagir.

Enquanto eu viajava daquele jeito, como uma sardinha enlatada, observava a quantidade de pessoas que entravam em cada estação, provavelmente desesperadas para chegarem em suas casas. Elas, sem questionarem, superlotavam mais e mais os trens, e eu pensava no abuso da empresa Metro Rio, que devia faturar horrores às custas de cidadãos exaustos, ansiosos por descansar. Acho mesmo que todos ali deveriam ser indenizados pela exposição, humilhação e riscos de viajar daquele jeito.

Várias empresas copiam este modelo do lucro a partir do sacrifício do consumidor. Podemos constatar uma outra situação indignante nos grandes supermercados. Antigamente, uma pessoa fazia a sua compra de mês e da família. Agora, os supermercados deram um jeito de fazer com que levemos a família inteira e se for necessário até o papagaio. Isso porque, para lucrarem ainda mais, dispensaram há muito tempo todos os empacotadores. E nós, míseros trabalhadores, depois de ralarmos o dia todo, ainda trabalhamos para o supermercado gratuitamente. Depois de gastar horrores , andar quilômetros no interior da loja para escolhermos os produtos, temos que entrar numa fila geralmente extensa e ainda embrulhar tudo o que compramos. Sinto-me uma tola por fazer isso mensalmente. Além de gastar tanto ali, ainda contribuo com a economia do Supermercado e o desemprego de um monte de gente. E ai de mim se eu for lenta nesse processo. Caso eu demore para empacotar minhas compras, o irmão de trás, na mesma situação que eu, é o primeiro a reclamar. Condicionados, escravizados... e nem nos damos conta. Como essas, um monte de outras situações diárias são abusivas e nos levam a desgastes maiores do que os que devíamos ter para um dia que normalmente já tem suas complicações. É possível mudar isso?