Impeachment para quê?
Assistir
a tudo que tem sido divulgado sobre o movimento pró-impeachment da presidente
Dilma Rousseff tem me feito muito mal. Se eu não escrever, vou adoecer.
Quem me conhece sabe bem disso... Há momentos em que sinto mais vergonha da
postura dos brasileiros do que propriamente do Brasil e seus escândalos. A
mobilização do último dia 15 reuniu brasileiros que, insatisfeitos com o
Governo, exigiam mais do que mudanças, reivindicavam impeachment. O
estranho foi que o grito dos manifestantes ecoou ao lado dos que defendiam
a Intervenção Militar (foto) e de outras incoerências.
Querem
tirar a presidente que acabou de ser reeleita democrática e legitimamente. Mas
querem tirar a Dilma para quê? Alguns respondem que não querem o Temer,
Calheiros nem Cunha porque estão mais sujos do que pau de galinheiro.
Alegro-me! Enxergam! Mas o que querem? Aécio? Levantam-se outros dizendo: Ele
não está nos meus planos! Também mente e é corrupto. Então o que querem com o
impeachment no momento em que mais conseguimos ver e acompanhar as denúncias e
investigações?
Há o
estímulo da crise que o país atravessa e dos erros do Governo. O Brasil já viveu
tempos mais difíceis em gestões anteriores, atravessando verdadeiros galopes
inflacionários, altas taxas de juros de mercado, alto índice de desemprego,
manchetes que mostravam renovação e renovação da dívida externa, com o país na
mão do FMI e erros de decisões históricas e em série. De fato, são bons motivos
para a insatisfação, mas não para um impeachment marcado por tanto rancor.
Certamente as razões seriam maiores do que a crise e as medidas equivocadas do
atual Governo.
A imaturidade
para lidar com as falhas da democracia poderia ser um dos motivos? Pela
primeira vez no Brasil a corrupção ficou clara a ponto de evidenciar em
diversos episódios envolvimento inclusive do próprio partido do Governo.
Isso resultou num ódio que foi alimentado pela oposição e se transformou em uma das
maiores rejeições a um governo e a tudo que remeta a sua sigla. No entanto, desta
vez, com a investigação do Lava a Jato, ficou escancarado também que a
corrupção vai muito além de PT. Apesar disso, no dia da passeata em prol do
impeachment, não vimos registro de uma faixa ou bandeira sequer contra PP,
PMDB e PSDB, que lideram a lista dos envolvidos no escândalo. Por quê?
Hoje sabemos também que até empresas jornalísticas, que deveriam garantir-nos
a denúncia de forma isenta e verdadeira, estão comprometidas com paraísos
fiscais e corrupção. Não adiantaria mudar o Governo neste momento; não
queremos também fechar o Congresso Nacional.
Outros interesses?
Que tipo
de interesse estaria por trás da manipulação da boa fé de um povo ( ou de parte
dele), que anseia por um Brasil melhor, mas ficou profundamente inconformado com
os resultados das urnas? O gás para esse movimento todo contra a Dilma poderia
sair do medo do que pode aparecer com a continuidade das investigações, já que
a bola de neve não para de crescer?
Ficou
notório o desgaste no processo eleitoral, com a disputa acirrada entre os
candidatos, e que a ferida deixada no país seria grande. Entrar nessa brecha
ficou fácil e conveniente. No período pós-eleições, houve a continuidade
das provocações pela Internet, alimentadas com ódio e rivalidade por perfis que
representam partidos de oposição ao Governo. Somou-se a isso o pouco carisma da
presidente e um movimento que culminou com o povo na rua, num efeito catarse,
que expressou: Eu sou quase a metade do país; existo e não quero a Dilma!
Mas nada disso é suficiente para um impeachment. A maioria a elegeu e não
há associação direta envolvendo o nome da presidente nos escândalos.
Enganos
Não sou PT.
Quem acompanha a minha vida desde os tempos da universidade sabe disso. Mas
nunca me tornaria antipetista nem anti qualquer coisa na minha vida. Graças a
Deus. Só carreguei a bandeira de um partido, a do PT, uma vez. Fiz isso
num momento crucial para o país porque entendi, de fato, que uma nova
oportunidade para a Dilma seria melhor que uma segunda chance para o PSDB.
Testemunhei os roubos no passado e sei que sempre existiram em grau igual ou
pior. Só não eram investigados com a força que estamos conseguindo hoje.
Faria por outro candidato, caso acreditasse que ele fosse melhor para o
país do que o opositor. Mas ser PT ou não neste momento não faz mais diferença.
É fato que, como presidente da República, Dilma Rousseff deve governar para
todos.
Como
votei na Dilma, acabei acompanhando pela Internet as mobilizações em prol do
impeachment da presidente e foi impossível não observar alguns equívocos
divulgados.
1 - O Governo
é ditador. O PT é comunista.
Delírio.
Nunca o Brasil investigou tanta gente, incluindo governantes. Vimos a Comissão da Verdade sendo criada com participação da sociedade. Não vimos em era
PT exército bolivariano invadindo nossas ruas e as ideias do comunismo sendo
implantadas no Brasil. Não vimos. Nada disso é verdade. Líderes políticos mantêm
relações com lideranças do mundo inteiro.
O Governo
também não é comunista. A bandeira vermelha há muito tempo para o
Brasil tem outro significado. O Brasil saiu do mapa da fome da ONU,
alimentou crianças, aumentou a renda dos mais pobres, desenvolveu programas
sociais que de fato resgataram pessoas da miséria em que sempre viviam. E isso
não é estória da carochinha. São dados da ONU, Unicef, e o mundo inteiro
viu. Houve mais participação da sociedade e a criação de Conselhos como o
Consea. O significado da bandeira vermelha talvez seja hoje o da paz para
muitas famílias que passaram a viver melhor a partir dos programas sociais
desenvolvidos pelo Governo. O país não está ruim por causa de programas como o Bolsa Família.
2 – A
liberdade de investigação e da Polícia Federal não tem relação com o Governo.
Vimos a
Polícia Federal agindo como nunca. Se isso não tem nada a ver com o
Governo atual, expliquem-me porque em nenhum outro houve tanta liberdade para
isso? Contra fatos não há argumentos.
3 – O PT
roubou
Verdade.
Petistas roubaram e líderes de quase todos os partidos também. Isso não o
inocenta. Entendo e também me sinto triste quando lembro que sonhamos e
colocamos um dia no PT nossas esperanças de um país muito melhor. Mas a
democracia e um país honesto são construídos com a participação do povo, e não
apenas com esperança em partidos; com votos conscientes, cobrança de propostas
e ações que moralizem a nossa política. O poder corrompe, e o Brasil tem
uma cultura de corrupção, a começar pelo próprio povo. Não nos enganemos.
.
.4 - “A
Dilma é uma bandida"
Frases
com teor como esse rolaram pela Internet e refletiram o baixo nível dos
cartazes levantados na manifestação pelo "Fora Dilma". E também não
refletem a verdade. São apenas ofensivas. Tudo o que é anti também pode
ser extremamente radical e doentio. Pode tornar-se antidemocrático e levar ao
fanatismo.
Se não
sabemos o que queremos com o impeachment e se queremos mudanças a partir de
reformas, entre elas a política, o que fazemos na marcha que carrega essa
bandeira? Não defendo a corrupção e erros de nenhum partido. Mas é preciso ter
discernimento para entender o jogo e não deixar que nossa
indignação seja usada como massa de manobra. Ela pode dar frutos
melhores sem colocar em risco nossas conquistas.
Que
possamos estar unidos pela Reforma Política. Que continuemos a ter liberdade
para nos manifestar, mas que tenhamos feeling para saber quando e como.
Por que colocar fermento numa massa tão heterogênea que está dividindo o Brasil
no lugar de unir? Não creio que o impeachment seja o desejo da maioria
dos brasileiros que participa desse movimento. A arma do povo na
democracia é o voto. E o Brasil, que sofreu com a ditadura militar, sabe muito
bem disso.