terça-feira, 17 de março de 2015

Impeachment para quê?


Nádia Mello

Impeachment para quê? 

Assistir a tudo que tem sido divulgado sobre o movimento pró-impeachment da presidente Dilma  Rousseff tem me feito muito mal. Se eu não escrever, vou adoecer. Quem me conhece sabe bem disso... Há momentos em que sinto mais vergonha da postura dos brasileiros do que propriamente do Brasil e seus escândalos. A mobilização do último dia 15 reuniu brasileiros que, insatisfeitos com o Governo, exigiam mais do que mudanças, reivindicavam impeachment. O  estranho foi que o grito dos manifestantes ecoou ao lado dos  que defendiam a Intervenção Militar (foto) e de outras incoerências.

Querem tirar a presidente que acabou de ser reeleita democrática e legitimamente. Mas querem tirar a Dilma para quê? Alguns respondem que não querem o Temer, Calheiros nem Cunha porque estão mais sujos do que pau de galinheiro. Alegro-me! Enxergam! Mas o que querem? Aécio? Levantam-se outros dizendo: Ele não está nos meus planos! Também mente e é corrupto. Então o que querem com o impeachment no momento em que mais conseguimos ver e acompanhar as denúncias e investigações?

Há o estímulo da crise que o país atravessa e dos erros do Governo. O Brasil já viveu tempos mais difíceis em gestões anteriores, atravessando verdadeiros galopes inflacionários, altas taxas de juros de mercado, alto índice de desemprego, manchetes que mostravam renovação e renovação da dívida externa, com o país na mão do FMI e erros de decisões históricas e em série. De fato, são bons motivos para a insatisfação, mas não para um impeachment marcado por tanto rancor. Certamente as razões seriam maiores do que a crise e as medidas equivocadas do atual Governo.

A imaturidade para lidar com as falhas da democracia poderia ser um dos motivos? Pela primeira vez no Brasil a corrupção ficou clara a ponto de evidenciar em diversos episódios envolvimento inclusive do próprio partido do Governo.  Isso resultou num ódio que foi alimentado pela oposição e se transformou em uma das maiores rejeições a um governo e a tudo que remeta a sua sigla. No entanto, desta vez, com a investigação do Lava a Jato, ficou escancarado também que a corrupção vai muito além de PT. Apesar disso, no dia da passeata em prol do impeachment, não vimos registro de uma faixa ou bandeira sequer contra PP, PMDB e PSDB, que lideram a lista dos envolvidos no escândalo.  Por quê? Hoje sabemos também que até  empresas jornalísticas, que deveriam garantir-nos a denúncia de forma isenta e verdadeira, estão comprometidas com paraísos fiscais e corrupção. Não adiantaria  mudar o Governo neste momento; não queremos também fechar o Congresso Nacional.


Outros interesses?

Que tipo de interesse estaria por trás da manipulação da boa fé de um povo ( ou de parte dele), que anseia por um Brasil melhor, mas ficou profundamente inconformado com os resultados das urnas? O gás para esse movimento todo contra a Dilma poderia sair do medo do que pode aparecer com a continuidade das investigações, já que a bola de neve não para de crescer?

Ficou notório o desgaste no processo eleitoral, com a disputa acirrada entre os candidatos, e que a ferida deixada no país seria grande. Entrar nessa brecha ficou fácil e conveniente.  No período pós-eleições, houve a continuidade das provocações pela Internet, alimentadas com ódio e rivalidade por perfis que representam partidos de oposição ao Governo. Somou-se a isso o pouco carisma da presidente e um movimento que culminou com o povo na rua, num efeito catarse, que expressou: Eu sou quase a metade do país; existo e não quero a Dilma!  Mas nada disso é suficiente para um impeachment. A maioria a elegeu e não há associação direta envolvendo o nome da presidente nos escândalos.

Enganos


Não sou PT. Quem acompanha a minha vida desde os tempos da universidade sabe disso. Mas nunca me tornaria antipetista nem anti qualquer coisa na minha vida. Graças a Deus. Só carreguei a bandeira de um partido, a do PT, uma vez.  Fiz isso num momento crucial para o país porque entendi, de fato, que uma nova oportunidade para a Dilma seria melhor que uma segunda chance para o PSDB. Testemunhei os roubos no passado e sei que sempre existiram em grau igual ou pior. Só não eram investigados com a força que estamos conseguindo hoje.  Faria por outro candidato, caso acreditasse que ele fosse melhor para o país do que o opositor. Mas ser PT ou não neste momento não faz mais diferença. É fato que, como presidente da República, Dilma Rousseff deve governar para todos.

Como votei na Dilma, acabei acompanhando pela Internet as mobilizações em prol do impeachment da presidente e foi impossível não observar alguns equívocos divulgados.

1 - O Governo é ditador. O PT é comunista.

Delírio. Nunca o Brasil investigou tanta gente, incluindo governantes. Vimos a Comissão da Verdade sendo criada com participação da sociedade. Não vimos em era PT exército bolivariano invadindo nossas ruas e as ideias do comunismo sendo implantadas no Brasil. Não vimos. Nada disso é verdade. Líderes políticos mantêm relações com lideranças do mundo inteiro.
O Governo também não é comunista. A  bandeira vermelha há muito tempo para o Brasil tem outro significado.  O Brasil saiu do mapa da fome da ONU, alimentou crianças, aumentou a renda dos mais pobres, desenvolveu programas sociais que de fato resgataram pessoas da miséria em que sempre viviam. E isso não é estória da carochinha. São dados da ONU, Unicef, e o mundo inteiro viu. Houve mais participação da sociedade e a criação de Conselhos como o Consea. O significado da bandeira vermelha talvez seja hoje o da paz para muitas famílias que passaram a viver melhor a partir dos programas sociais desenvolvidos pelo Governo.  O país não está ruim por causa de programas como o Bolsa Família.



2 – A liberdade de investigação e da Polícia Federal não tem relação com o Governo.

Vimos a Polícia Federal agindo como nunca. Se isso não tem nada a ver com o Governo atual, expliquem-me porque em nenhum outro houve tanta liberdade para isso? Contra fatos não há argumentos.

3 – O PT roubou

Verdade. Petistas roubaram e líderes de quase todos os partidos também. Isso não o inocenta.  Entendo e também me sinto triste quando lembro que sonhamos e colocamos um dia no PT nossas esperanças de um país muito melhor. Mas a democracia e um país honesto são construídos com a participação do povo, e não apenas com esperança em partidos; com votos conscientes, cobrança de propostas e ações que moralizem a nossa política.  O poder corrompe, e o Brasil tem uma cultura de corrupção, a começar pelo próprio povo. Não nos enganemos.

.

.4 - “A Dilma é uma bandida" 

Frases com teor como esse rolaram pela Internet e refletiram  o baixo nível dos cartazes levantados na manifestação pelo "Fora Dilma". E também não refletem a verdade. São apenas ofensivas.  Tudo o que é anti também pode ser extremamente radical e doentio. Pode tornar-se antidemocrático e levar ao fanatismo.

Se não sabemos o que queremos com o impeachment e se queremos mudanças a partir de reformas, entre elas a política, o que fazemos na marcha que carrega essa bandeira? Não defendo a corrupção e erros de nenhum partido. Mas é preciso ter discernimento para entender o jogo e não deixar que nossa indignação seja  usada como massa de manobra. Ela pode dar frutos melhores sem colocar em risco nossas conquistas.



Que possamos estar unidos pela Reforma Política. Que continuemos a ter liberdade para nos manifestar, mas que tenhamos feeling para saber quando e como. Por que colocar fermento numa massa tão heterogênea que está dividindo o Brasil no lugar de unir?  Não creio que o impeachment seja o desejo da maioria dos brasileiros que participa desse movimento.  A arma do povo na democracia é o voto. E o Brasil, que sofreu com a ditadura militar, sabe muito bem disso.  

terça-feira, 29 de julho de 2014

Vale a pena chorar pelo que permitimos

Por Nádia Mello

Nunca reclame do que você permite...  Vi  esse post  recentemente  no face de uma pessoa amiga. Fiquei impressionada porque todas as curtidas eram de mulheres. Resolvi buscar a postagem anterior que deu origem a esse compartilhamento e vi que cerca de 35 mil pessoas haviam compartilhado e  um número ainda bem superior de mulheres se identificou.  Eu arriscaria em 80% o percentual de mulheres que compartilhou e comentou a frase.  E, como parte desse universo, me senti impelida a refletir.  A questão não é lamentar o que permitimos. Às vezes é inevitável.  A questão é entender o motivo de permitirmos e de como reagimos depois disso. Que tipo de  fragilidade, insegurança, carência ou amor pode fazer com que passemos por cima do que realmente desejamos para nos permitir viver, manter e até voltar a situações que nem sempre estão de acordo com os nossos ideais?  Por que permitimos algumas condições,  seja no trabalho,  no amor ou na vida em geral, quando sabemos que não vão permanecer nos fazendo bem?

A falta de um norte ou de uma referência positiva seja em qual for a área da vida, cujos acontecimentos envolvam uma permissão imatura de nossa parte, poderia explicar nossas insatisfações. Mas certamente a descoberta disso e de possibilidades de novos horizontes nessas áreas exigiriam aprofundamento, busca pelo autoconhecimento.  Essa é a parte boa do permitir o indesejável, sofrer as consequências, chorar quando tudo dá errado.  Isso nos faz sentir pequenos e nos enche de força para mergulharmos em nós mesmos. Dói , mas passa, e podemos tirar um bom proveito disso.  É uma oportunidade excelente para ir e vir em nossas emoções, por mais incoerentes que possamos parecer, até nos encontrarmos de verdade.  Esse encontro com a gente vale a pena no final. Vale a pena reclamar, sim. Vale a pena chorar, mesmo quando permitimos. É valioso refletir e sobretudo isso nos ajuda a crescer, nos fortalece, nos faz perceber que somos humanos.
   
Como saber a razão de  tomarmos as atitudes que tomamos, do jeito que tomamos? Por que fazemos o que fazemos da maneira que fazemos? Por que deixamos de fazer aquilo que gostaríamos ou deveríamos fazer? As respostas a esses questionamentos de acordo com o Dr. Carlos Carturan, especialista em Medicina Comportamental,  definem o nosso autoconhecimento.  E, de acordo com ele, o  autoconhecimento  influencia no nosso equilíbrio emocional . “ Todas as atitudes que tomamos na vida hoje é fruto de algo que aprendemos lá atrás.  Elas têm um conteúdo emocional por trás”, defende. 

Há estudos da neurociência que dizem que o ser humano age por dois mecanismos: ou a busca do prazer ou a fuga da dor.  Em 90% dos casos fugimos da dor  e  não buscamos o prazer.  O controle emocional vem do equilíbrio dessas duas vertentes.  Ainda de acordo com ele, quando nos conhecemos conseguimos direcionar melhor as escolhas que fazemos na vida, conseguimos esperar.  Não podemos controlar as emoções, mas podemos controlar o modo de  agir frente às situações, as reações a essas emoções. Isso está relacionado ao equilíbrio emocional. 

O ideal é que a gente saiba quando tomar as decisões e quando deve esperar  as coisas acontecerem de forma serena.  É o que venho tentando aprender, ainda sob o impacto das minhas últimas permissões e reações. Isso advém da busca pelo autoconhecimento. 

É verdade que Deus nos responde.  Mas é  fato também que precisamos desse encontro conosco até para que essa caminhada com Ele seja madura e possamos ouvi-lo corretamente. E talvez por isso seja o próprio Deus quem nos permita permitir aquilo que nem sempre será bom no final,  em boa parte das vezes por motivos relacionados a nós e não ao outro ou às situações permitidas. Isso nos levará ao crescimento. Ao nos conhecermos mais, enxergaremos melhor e teremos o equilíbrio necessário para respondermos bem às melhores escolhas. 

Então entenderás a justiça, o juízo, a equidade e todas as boas veredas.  Pois quando a sabedoria entrar no teu coração, e o conhecimento for agradável à tua alma .(Provérbios 2:9-10)

terça-feira, 13 de abril de 2010

Dignidade para os portadores de necessidades especiais

Por Nádia Mello

“E, passando Jesus, viu um homem cego de nascença. E os seus discípulos lhe perguntaram, dizendo: Rabi, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego? Jesus respondeu: Nem ele pecou, nem seus pais, mas foi assim para que se manifestem nele as obras de Deus” ( Jo 9.1-3) Há muito Jesus já tirava o peso da deficiência e ensinava que era possível ver a glória de Deus mesmo em condições mais limitadas. Viver dignamente apesar de nossas imperfeições é expressar o grande amor de Deus. Embora tenha apontado para uma vida de qualidade apesar das circunstâncias, para que soubessem que o Senhor tem poder, o Pai concedeu a cura àquele homem cego.
Crescemos aprendendo a lidar com nossas limitações e somos incentivados pela família e a sociedade a superá-las. No entanto, nem sempre é assim com os que nascem ou se tornam portadores de algum tipo de necessidade especial. A sociedade é receptiva a todos os indivíduos, mesmo sabendo que eles possuem suas limitações pessoais. O problema surge quando esses limites humanos estão expostos, tornando-se evidente na aparência física de alguém, por exemplo.
Há muitos anos o portador de necessidades especiais era geralmente escondido da sociedade, muitas vezes até pela própria família. Mais tarde, a sociedade começa a dizer sim para ele, aceitando-o desde que conseguisse se ajustar aos padrões da normalidade social. Ou seja, o surdo precisava falar e ser muito bem oralizado para aprender, para conviver com os demais; do cadeirante, com a modernidade e os recursos fisioterapêuticos, era esperado que pudesse aos poucos caminhar, ainda que depois de longos anos conseguisse apenas dar um passo. Atualmente há uma inversão desse pensamento e está cada vez mais claro que é a sociedade que tem de estar preparada e se ajustar para atendê-los, adequando-se às suas diferenças, oferecendo-lhe melhor qualidade de vida e dando condições de ser plenamente integrado e feliz.
Muitas conquistas têm sido possíveis através dos esforços constantes das entidades representativas e ONGs ligadas às mais diferentes áreas de deficiência. No entanto, ainda é necessária muita luta para uma sociedade justa e mais consciente da importância da participação das pessoas com necessidades especiais.
Os resultados de censo recente no Brasil mostram que, aproximadamente, 25 milhões de pessoas, ou 14,5% da população total, apresentaram algum tipo de incapacidade ou deficiência. São pessoas com ao menos alguma dificuldade de enxergar, ouvir, locomover-se ou alguma deficiência física ou mental. Entre 16,6 milhões de pessoas com algum grau de deficiência visual, quase 150 mil se declararam cegos. Já entre os 5,7 milhões de brasileiros com algum grau de deficiência auditiva, um pouco menos de 170 mil se declararam surdos. “Quando se trata da inserção de pessoas portadoras de necessidades especiais no mercado de trabalho, verifica-se uma proporção de pessoas ocupadas menor neste grupo que no das pessoas sem nenhuma das deficiências investigadas. Dos 65,6 milhões de pessoas de 10 anos ou mais de idade que compõem a população ocupada no país, 9 milhões são portadoras de alguma das deficiências pesquisadas (...) Em relação à instrução, as diferenças são marcantes: 32,9% da população sem instrução ou com menos de três anos de estudo é portadora de necessidades especiais. As proporções caem quando aumenta o nível de instrução, chegando a 10% de portadores de deficiência entre as pessoas com mais de 11 anos de estudo”.
É grave e lamentável observar que os portadores de necessidades especiais em nosso país ainda se encontram tão à margem da sociedade. Na área da surdez, os avanços obtidos com a oficialização da Língua Brasileira de Sinais (Libras) em 2002 e, no nos últimos anos, após a sua regulamentação, encheram os surdos brasileiros de esperança. No entanto, a implementação dessa conquista nas escolas, a partir de um sistema de inclusão deixou bastante a desejar. Mas o processo é lento. Embora o reconhecimento da Língua pelo Ministério de Educação e pelo Governo na época tenha significado avanço importante para a qualidade de vida da pessoa surda, ainda há muito caminho a percorrer até que a sociedade em todos os níveis possa conceber uma nova visão a respeito da importância da Língua de Sinais para a plena integração dos surdos.
Mas o fim das barreiras, através do subsídio de políticas e ações dos setores público e privado e da sociedade civil voltadas para esse segmento, aos poucos começa a ser uma realidade. Apesar dos estigmas, que fizeram da história dos portadores de deficiências uma história de preconceitos, omissão e opressão, e das estatísticas, que ainda refletem esse passado, parece que hoje começamos a nos voltar para a sua verdadeira integração nas áreas de saúde, educação, acessibilidade e trabalho. Muitas ações complementares para o desenvolvimento do grupo têm sido pensadas de forma mais efetiva e com respeito às suas diferenças. Isso graças à força das associações, federações e outras instituições representativas e ONGs, que levam adiante a luta pelo direito à vida.
No campo educacional, todo esse processo de inclusão defendido pelo MEC e tão debatido hoje não deixa de ser um sinal dessa nova visão, que envolve maior aceitação e valorização da pessoa portadora de deficiência. Mas se não for bem acompanhado por aqueles que vivem a própria problemática e corrigido em seus diversos encaminhamentos, o processo tende a ser um novo fracasso. Para que esse grupo seja verdadeiramente incluído no ensino, é necessário que tenha suas necessidades especiais supridas. Caso contrário, segundo a Declaração de Salamanca, que foi um marco nas discussões sobre o processo de inclusão em todo o mundo, o melhor para o seu desenvolvimento é que seja mantido em classe especial. O que pode ser avanço, num piscar de olhos, pode significar também retrocesso. É preciso vigiar e participar.
Todos nós que possuímos compromisso com a Justiça e o Reino de Deus devemos nos preocupar também com os direitos dos indivíduos com necessidades especiais e caminhar com eles rumo à igualdade de condições e oportunidades. Mas onde estamos nessa jornada?

A Bíblia e a deficiência
O Novo Testamento é marcado por várias passagens envolvendo pessoas com necessidades especiais (Mt.9.1; Mt 9.27; Mt 12.9; Lc 5.17; Jo 9.1). Embora Jesus efetivamente tenha curado em cada uma delas, nem sempre essa foi a mensagem central dos textos. Apesar das curas, as passagens bíblicas mostraram que a importância do perdão de Deus, da vida com dignidade, da fé, do bem ao próximo estava acima da condição da deficiência e das circunstâncias em que se encontravam. Mesmo com toda a herança do Antigo Testamento, que embutia nessas pessoas a ideia do pecado e da possessão, Jesus, ao direcionar seu olhar para elas, concedia-lhes igualdade antes mesmo de curá-las. É notório o cuidado e a preocupação de Jesus com os que sofriam por causa da deficiência.
Poucas são as igrejas cristãs que possuem um envolvimento sério com essa questão. Sabemos que, em âmbito local, algumas metodistas têm construído rampas e colocado elevadores, cumprindo a Lei de acessibilidade e facilitando a participação de membros que possuem deficiência física e idosos. Mas desconheço na Igreja Metodista um ministério que tenha a função de olhar para a pessoa com deficiência, evangelizando, expressando o seu amor e somando forças na sua luta pelas mais diversas causas. Quantos são os membros portadores de necessidades especiais de nossas igrejas? Temos lideranças, pastores e pastoras com deficiência? Creio que, como Igreja a serviço do povo, é necessário estarmos engajados também nesse movimento, colaborando ao lado de outros organismos com ações concretas para a integração desse grupo.

A vida nos pequenos olhares
Penso que cabe ainda aqui uma rápida ilustração. Um menino que devia ter em torno de 7 anos de idade e viajava ao meu lado no metrô não tinha os dois braços. Apesar disso, não expressava nenhum sinal de tristeza. Não ter os dois braços parecia não incomodá-lo e ser quase nada diante da sua espontaneidade. Bem perto da mãe, que carregava o seu irmão ao colo, era ele que prestava atenção nas estações, controlando o tempo de viagem e o momento de descer com a família.
Em determinado momento, entrou um homem idoso e o menino mais do que depressa se levantou e ofereceu o seu lugar. Bastante constrangido ao perceber o menino sem os braços, o senhor tentou recusar, dizendo que não era preciso. Mas a criança fez questão e ficou de pé dando um jeitinho de se apoiar em uma das barras do metro. A mãe sorriu num sinal de aprovação e apoio ao filho.
Fiquei surpresa de ver como aquela criança era tão bem educada, segura e feliz sem os braços. Ele era totalmente integrado, ciente de seus deveres e de que sua participação fazia diferença naquele lugar. Ele ali foi destacado pelas suas capacidade e atitudes, e não pela deficiência aparente.
Depois que desceram, os que observaram a situação comentavam o desprendimento do menor. E o senhor encerrou o assunto, com a seguinte frase: “ O que faz a diferença nesta criança é o amor da mãe, ele é amado”. Não houve quem discordasse.

Mais que adaptados?

Por Nádia Mello

A adequação da humanidade a situações humilhantes e às vezes desprezíveis por medo e opressão vem acompanhando a sua história há séculos. Quantas vezes povos inteiros foram dominados e escravizados por décadas pelos que detinham o poder? Nem sempre foi a força da arma a que mais intimidou. O estado de opressão veio muitas vezes também pela força da palavra. Discursos contundentes e convincentes foram utilizados para nos coagir, nos condicionar muitas vezes. Mas quero falar a respeito de situações que passam despercebidas no nosso dia a dia corrido, e que vão sendo impostas nos tempos atuais, com sacrifícios, sem que tenhamos tempo ou disposição para questionar ou reagir

Um exemplo claro disso é a forma como o trabalhador vai e vem da labuta. Cansado e esgotado de uma carga horária que muitas vezes ultrapassa as oito horas diárias, ele é transportado como bicho. Foi assim que me senti numa viagem de metrô em horário do “rush”. O valor pago é significativo para o bolso do empregado e as condições são as piores possíveis. Nossos direitos acabam ficando comprometidos sem que haja reações de indignação capazes de abalar qualquer sistema que nos levem a perdas. E o pior é perceber a apatia e a aceitação com relação às condições impostas pela única empresa metroviária, que absurdamente numa cidade como o Rio de Janeiro oferece apenas duas linhas de acesso.

Desde uma situação aparentemente banal até a instalação de um quadro alarmante de violência que praticamente nos tira o direito de ir e vir, percebo a nossa população mais do que ajustada. O que me assusta é a ideia de falsa normalidade que também acaba sendo instalada. Tudo acaba fazendo parte de um cotidiano medíocre que nos leva à terrível impressão de que tudo está na mais perfeita ordem. É preocupante perceber que somos um povo tão vulnerável a riscos e ao mesmo tempo tão tranqüilos, tão facilmente condicionados e deseducados a reagir.

Enquanto eu viajava daquele jeito, como uma sardinha enlatada, observava a quantidade de pessoas que entravam em cada estação, provavelmente desesperadas para chegarem em suas casas. Elas, sem questionarem, superlotavam mais e mais os trens, e eu pensava no abuso da empresa Metro Rio, que devia faturar horrores às custas de cidadãos exaustos, ansiosos por descansar. Acho mesmo que todos ali deveriam ser indenizados pela exposição, humilhação e riscos de viajar daquele jeito.

Várias empresas copiam este modelo do lucro a partir do sacrifício do consumidor. Podemos constatar uma outra situação indignante nos grandes supermercados. Antigamente, uma pessoa fazia a sua compra de mês e da família. Agora, os supermercados deram um jeito de fazer com que levemos a família inteira e se for necessário até o papagaio. Isso porque, para lucrarem ainda mais, dispensaram há muito tempo todos os empacotadores. E nós, míseros trabalhadores, depois de ralarmos o dia todo, ainda trabalhamos para o supermercado gratuitamente. Depois de gastar horrores , andar quilômetros no interior da loja para escolhermos os produtos, temos que entrar numa fila geralmente extensa e ainda embrulhar tudo o que compramos. Sinto-me uma tola por fazer isso mensalmente. Além de gastar tanto ali, ainda contribuo com a economia do Supermercado e o desemprego de um monte de gente. E ai de mim se eu for lenta nesse processo. Caso eu demore para empacotar minhas compras, o irmão de trás, na mesma situação que eu, é o primeiro a reclamar. Condicionados, escravizados... e nem nos damos conta. Como essas, um monte de outras situações diárias são abusivas e nos levam a desgastes maiores do que os que devíamos ter para um dia que normalmente já tem suas complicações. É possível mudar isso?