terça-feira, 13 de abril de 2010

Mais que adaptados?

Por Nádia Mello

A adequação da humanidade a situações humilhantes e às vezes desprezíveis por medo e opressão vem acompanhando a sua história há séculos. Quantas vezes povos inteiros foram dominados e escravizados por décadas pelos que detinham o poder? Nem sempre foi a força da arma a que mais intimidou. O estado de opressão veio muitas vezes também pela força da palavra. Discursos contundentes e convincentes foram utilizados para nos coagir, nos condicionar muitas vezes. Mas quero falar a respeito de situações que passam despercebidas no nosso dia a dia corrido, e que vão sendo impostas nos tempos atuais, com sacrifícios, sem que tenhamos tempo ou disposição para questionar ou reagir

Um exemplo claro disso é a forma como o trabalhador vai e vem da labuta. Cansado e esgotado de uma carga horária que muitas vezes ultrapassa as oito horas diárias, ele é transportado como bicho. Foi assim que me senti numa viagem de metrô em horário do “rush”. O valor pago é significativo para o bolso do empregado e as condições são as piores possíveis. Nossos direitos acabam ficando comprometidos sem que haja reações de indignação capazes de abalar qualquer sistema que nos levem a perdas. E o pior é perceber a apatia e a aceitação com relação às condições impostas pela única empresa metroviária, que absurdamente numa cidade como o Rio de Janeiro oferece apenas duas linhas de acesso.

Desde uma situação aparentemente banal até a instalação de um quadro alarmante de violência que praticamente nos tira o direito de ir e vir, percebo a nossa população mais do que ajustada. O que me assusta é a ideia de falsa normalidade que também acaba sendo instalada. Tudo acaba fazendo parte de um cotidiano medíocre que nos leva à terrível impressão de que tudo está na mais perfeita ordem. É preocupante perceber que somos um povo tão vulnerável a riscos e ao mesmo tempo tão tranqüilos, tão facilmente condicionados e deseducados a reagir.

Enquanto eu viajava daquele jeito, como uma sardinha enlatada, observava a quantidade de pessoas que entravam em cada estação, provavelmente desesperadas para chegarem em suas casas. Elas, sem questionarem, superlotavam mais e mais os trens, e eu pensava no abuso da empresa Metro Rio, que devia faturar horrores às custas de cidadãos exaustos, ansiosos por descansar. Acho mesmo que todos ali deveriam ser indenizados pela exposição, humilhação e riscos de viajar daquele jeito.

Várias empresas copiam este modelo do lucro a partir do sacrifício do consumidor. Podemos constatar uma outra situação indignante nos grandes supermercados. Antigamente, uma pessoa fazia a sua compra de mês e da família. Agora, os supermercados deram um jeito de fazer com que levemos a família inteira e se for necessário até o papagaio. Isso porque, para lucrarem ainda mais, dispensaram há muito tempo todos os empacotadores. E nós, míseros trabalhadores, depois de ralarmos o dia todo, ainda trabalhamos para o supermercado gratuitamente. Depois de gastar horrores , andar quilômetros no interior da loja para escolhermos os produtos, temos que entrar numa fila geralmente extensa e ainda embrulhar tudo o que compramos. Sinto-me uma tola por fazer isso mensalmente. Além de gastar tanto ali, ainda contribuo com a economia do Supermercado e o desemprego de um monte de gente. E ai de mim se eu for lenta nesse processo. Caso eu demore para empacotar minhas compras, o irmão de trás, na mesma situação que eu, é o primeiro a reclamar. Condicionados, escravizados... e nem nos damos conta. Como essas, um monte de outras situações diárias são abusivas e nos levam a desgastes maiores do que os que devíamos ter para um dia que normalmente já tem suas complicações. É possível mudar isso?

Nenhum comentário:

Postar um comentário